O sentimento ao ganhar uma luta é incomparável. Mas Yamaguchi Falcão descobriu, de dezembro para cá, que há pequenas alegrias em outros trabalhos menos glamourosos. No fim do ano passado, começou a dar aulas de fundamentos do boxe para alunos iniciantes. No dia 1º de fevereiro, sentou-se à direção de seu carro popular preto, modelo 2014, para seu primeiro dia como motorista de aplicativo. Enquanto espera uma oportunidade de voltar aos ringues, o boxeador medalhista de bronze nas Olimpíadas de Londres 2012, na categoria peso-meio-pesado (até 80kg), encontrou outras formas de pagar as contas enquanto busca ser cuidadoso ao volante e gentil tanto com os alunos quanto com os passageiros.
A última luta de Yamaguchi foi em 22 de abril do ano passado, quando perdeu a disputa do cinturão da Associação Mundial de Boxe (WBA) para o cubano David Morrell, atual campeão dos supermédios (até 76,2 kg). O brasileiro teve menos de duas semanas para se preparar para a luta e sentiu a falta de ritmo diante de um rival dez anos mais jovem. Desde então, aguarda uma chance de mostrar que não perdeu o gingado nem a potência de seu jab de direita, que o ajudaram a conquistar o cinturão latino do Conselho Mundial de Boxe (WBC, na sigla em inglês) e um cartel de 24 vitórias, duas derrotas e um empate, sempre no peso-super-médio (até 76,2kg).
- Se ele tivesse ajuda do governo, voltaria a se dedicar só aos treinos. É uma coisa triste ver esse talento, que quer levar a bandeira do Brasil para os ringues, sendo desperdiçado - comenta Juliana, mulher de Yamaguchi há dez anos e mãe de seu filho, Robert, que completa 5 anos em março.
Enquanto patrocínios e convites não chegam, o medalhista dá aulas particulares para alunos moradores de Serra, a cidade do Espírito Santo onde mora, Vitória e Vila Velha, ambas a pouco mais de 30 km de distância. Na estrada, teve a ideia de levar passageiros que também precisavam se deslocar de uma cidade para a outra e garantir, assim, ao menos o pagamento do combustível. Logo, passou a dirigir também dentro de Serra, com o Uber entrando em sua rotina. No dia a dia, Yamaguchi acorda cedo para correr e emenda no trabalho de motorista de aplicativo. Para na hora do almoço, dorme um pouco, volta a dirigir e encerra o dia com os alunos de boxe.
- Acho muito legal quando o passageiro entra, me reconhece e pede para tirar foto comigo: "É você mesmo, Yamaguchi?". Foi por esse reconhecimento que trabalhei por toda a minha carreira.
Carreira que está em pausa, mas longe de ser abandonada. Yamaguchi, agora, quer baixar uma categoria para o peso médio (até 72,6kg), o mesmo de seu irmão, o medalhista de prata também em Londres 2012 Esquiva Falcão. Filhos do lendário boxeador Touro Moreno, Yamaguchi e Esquiva não se falam desde outubro, mas Yamaguchi garante que não lutaria com o irmão mais novo.
- A gente prometeu para a nossa mãe, que morreu há dois anos, que jamais se enfrentaria. Ele andou me desafiando, mas isso não levaria a lugar nenhum. Tem tanto adversário no mundo, para que bater no meu irmão? Tem espaço para os dois - diz o capixaba de 36 anos, que no entanto fez questão de lembrar que na única vez em que se enfrentaram, a vitória foi dele. - Foi no boxe olímpico. Mas ali tinha proteção para o rosto e luva macia, ganhei e o abracei. No boxe profissional, é sem proteção, com luva mais dura. Não faria sentido.
As relações entre os dois irmão no momento não são das melhores. Esquiva, de 34 anos, acusou Yamaguchi de empurrá-lo durante uma foto na noite do último 30 de setembro, durante o Jungle Fight 120, em Vila Velha. Depois, se desculpou pelas redes sociais.
- Se o pedido de desculpas fosse de verdade, pegaria o telefone e me ligaria. O dia em que fizer isso, vou atender. Não vou ligar para ele, mas se ele me ligar, atendo e fica tudo certo. Mas tudo o que acontece, ele joga nas redes sociais. Eu sou irmão dele, a vida não é a rede social - diz Yamaguchi.
Quando eles eram crianças e adolescentes e brigavam, Touro Moreno dava um par de luvas para cada e os colocava para resolver as diferenças em cima do ringue que tinha em casa. A troca de socos não é mais uma opção, garante Yamaguchi, que espera a resolução do conflito na conversa. Espera também por mais pelo menos três anos no ringue.