Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, teve sua matrícula cancelada pela Universidade de São Paulo (USP) após ter sua autodeclaração racial rejeitada. A instituição de ensino superior não o identificou como pardo. O jovem, de Cerqueira Cesar, interior de paulista, chegou a viajar por cinco horas até a faculdade para participar do primeiro dia letivo e, lá, soube de sua desqualificação. A família afirmou que irá processar a USP.
O estudante seria o primeiro de sua família a passar em um universidade pública e o primeiro a estudar medicina, o curso mais concorrido da USP. Rodrigues concorreu pela cota de estudantes de escola pública, autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas). Ele alega que faltou uma análise presencial a respeito da sua autodeclaração como pardo, mas a universidade sustenta que realizou uma análise virtual em quatro etapas.
A aprovação de Rodrigues repercutiu em sua cidade. Ele também seria o primeiro de seu colégio a passar na USP para Medicina.
— Colocaram um outdoor na entrada da cidade, fizeram vaquinha para ele conseguir ir à faculdade. A gente chorou de felicidade quando recebeu o e-mail de aprovação. É uma cidade pequena, só temos dois colégios e ele foi o primeiro aluno a passar em medicina — contou a tia de Alison, Laise Mendes, de 35 anos. — Hoje ele está arrasado — acrescentou.
Laise ainda relatou que o jovem raspou a cabeça para cumprir uma promessa, após ter passado no concurso.
O jovem ainda afirmou que nunca se viu como branco, contou Laise. Ela disse que na família que mora no interior, todos são miscigenados. O sobrinho é filho de uma mãe negra e um pai branco. Ele se vê como pardo e a irmã é branca.
— Ele fez a matrícula, como PPI, ele sempre se considerou (pardo) e para a gente foi uma surpresa grande. Um professor, que o ajudou com o recurso, perguntou para Alison como ele se sentia (identificação) e ele respondeu ao professor: 'Como assim me sinto? Eu sou (pardo)'. A irmã dele é branca, já chamaram a mãe deles de baba da irmã, por ser negra e a filha não — relatou a tia.
De acordo com Rodrigues, o fizeram esperar por duas horas para a entrevista virtual que estava marcada para 17 horas e ela aconteceu em menos de um minuto. Sem perguntas ou questionamentos. A família não concordou com o resultado e criticou a falta de uma análise presencial.
— Ele tem os traços, tem o perfil. Se encaixa nos padrões que pedem — afirmou Laise.
Ela contou que no dia 9 de fevereiro houve a primeira negativa da banca examinadora e entraram com um recurso. Na sexta-feira, dia 23, o seu sobrinho havia recebido um e-mail informando sobre a matrícula e avisando da recepção de calouros que aconteceria na semana seguinte.
— Saímos domingo, às 23 horas, e chegamos 4 horas da manhã. O evento começava às 8 horas, mas como somos do interior, não queríamos nos atrasar — afirmou Laíse.
No dia, o sobrinho participou de atividades da recepção de calouros e ela conta que o nome dele estava na lista de presença. Mas, na parte da tarde, o jovem recebeu um e-mail afirmando o cancelamento de sua matrícula por não se enquadrar nos critérios da banca examinadora da faculdade, sistema que passou a ser usado em 2023 na USP, para evitar fraudes em cotas.
— Eu não tinha forças nem para falar e ele ficou sem reação. Ele não é de demostrar reações, mas quando eu olhei para ele, estava pálido — contou a tia.
Em nota, a universidade declarou que a análise virtual é o padrão para os candidatos do Enem e do Provão Paulista (concurso em que Alison passou) porque muitos desses candidatos moram em locais distantes e, assim, a universidade procura "garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar na USP", declarou na nota.
E também afirmaram que perguntas não são realizadas, pois, "a análise é estritamente fenotípica, a banca não faz nenhum tipo de pergunta sobre a vida dos candidatos. O que conta mesmo é a cor da pele, os cabelos e a forma da boca e do nariz.", declarou a USP.
Por Redação / Com O Globo