O Brasil tem 9,6 milhões de jovens que estão sem estudar e sem trabalhar. Essa situação, de dupla falta de oportunidades, atinge quase um quinto (19,8%) da população com idade entre 15 e 29 anos.
Os dados são da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) Educação de 2023, divulgada nesta sexta-feira (22) pelo IBGE. Os resultados mostram que a proporção de jovens sem trabalho e sem estudo está diminuindo no país, mas segue em patamar preocupante.
Em 2019, 22,4% da população dessa faixa etária se encontravam nessa situação. Em 2022, caiu para 20% e, no ano seguinte, retraiu em mais 0,2%.
O relatório destaca que a quantidade de jovens no grupo apelidado de "nem-nem" é consequência da dificuldade de combater as desigualdades no país.
Ainda que tenha avançado na ampliação do acesso à educação básica nas últimas décadas, o país não consegue garantir que todos tenham condições de apenas se dedicar aos estudos e ter acesso a um ensino de qualidade para depois terem melhores chances de empregabilidade.
Quando questionados sobre o principal motivo de terem abandonado os estudos, a maioria dos homens apontou a necessidade de trabalhar como fator prioritário -ainda que nem todos consigam de fato arrumar um emprego. Já entre as mulheres, depois do trabalho, a segunda razão mais citada foi a necessidade de realizar tarefas domésticas e cuidar de pessoas e o fato de terem engravidado.
A falta de acesso a emprego e estudo também atinge maior proporção da população parda e preta, mais de um quinto (22,4%) desses jovens. Já entre os brancos, a proporção é de 15,8%.
O relatório da pesquisa também destaca que o grupo mais afetado é o dos jovens entre 18 e 24 anos, em que 24% não trabalham nem estudam. "Percentual alto para a juventude de uma geração mais escolarizada", diz o documento.
"É muito preocupante ter 20% da população jovem, no auge da produtividade, sem uma perspectiva de futuro. Ainda mais considerando que a população do país está envelhecendo. O Brasil não está se atentando para um grave problema social que está acontecendo agora e que vai levar a consequências drásticas a médio e longo prazo", diz o economista Michael França, pesquisador do Insper e colunista da Folha de S.Paulo.
Para especialistas, o caminho para solucionar esse problema é conhecido no país, mas não são implementadas ações para colocá-lo em prática. Jhonatan Almada, membro da Rede de Especialistas em Política Educativa da Unesco, avalia que o contingente de jovens sem trabalho e sem estudo é reflexo do descumprimento de ao menos três metas do PNE (Plano Nacional de Educação).
"O país traçou uma série de metas educacionais que poderiam evitar a exclusão desses jovens, mas na última década pouco foi feito para que esses objetivos fossem de fato alcançados", diz Almada.
Entre esses objetivos, ele cita o que definia a necessidade de triplicar o número de matrículas da educação profissional técnica de nível médio. "O objetivo era chegar em 2024 com 4,8 milhões de matrículas. O último censo mostra que só chegamos a 2,4 milhões", diz.
Outra meta também dizia que o país deveria assegurar que 25% das matrículas da EJA (Educação de Jovens e Adultos) fosse integrada à educação profissional -a proporção atual é de apenas 3,7%.
E também sobre a meta de acesso ao ensino superior, que estabelecia ter 50% da população de 18 a 24 anos matriculada em cursos de graduação, o país alcançou até agora apenas 38,5%."O descumprimento dessas três metas nos ajudam a entender esse número chocante de jovens esquecidos, abandonados a um futuro sem perspectiva. Mais grave ainda é o fato de não termos no país nenhuma política pública para enfrentar esse problema social", diz Almada.
O país tem hoje políticas para tentar evitar que os jovens abandonem os estudos, no entanto, não tem nenhuma ação pensada para aqueles que já evadiram da escola. O programa Pé-de-Meia, lançado pelo governo Lula (PT), por exemplo, foca apenas os jovens que estão matriculados no ensino médio.
França também destaca a necessidade do país garantir os direitos reprodutivos das mulheres, já que um dos principais fatores para elas não trabalharem é a gravidez.
"A gente precisa de políticas que vão desde a educação sexual até a garantia dos direitos reprodutivos das mulheres para que elas engravidem quando for uma escolha. Para que a gravidez deixe de ser um motivo para elas interromperem a trajetória acadêmica ou profissional", diz.
Os especialistas lembram ainda que essa situação de desalento tem um alto custo social e financeiro para o país.
"Quando o estado se ausenta, algo ocupa aquele espaço. Aquele jovem, que está sem trabalho, sem estudar, sem perspectiva de melhora na vida, vai procurar uma saída. Essa saída pode ser o crime, o alcoolismo, as drogas. O custo social é alto para o país", diz Almada.
Redação com Agência Brasil