Por Jardel Gonçalves
"Mostrei que minha família existe e preferi não me esconder, porque minha felicidade vale muito mais".
A frase é do sargento da Polícia Militar Valdi Barbosa, que junto com o marido, Rafael Moreira, conseguiu na Justiça o direito de tirar seis meses de licença-paternidade após o nascimento da filha Sofia, fruto de uma fertilização in vitro com barriga solidária. De acordo com a PM, esse foi o primeiro caso desse tipo na corporação.
Valdi e Rafael tiveram Sofia em junho de 2022. A irmã de Valdi, Rosilene, foi quem serviu de barriga solidária para dar à luz a pequena. O óvulo foi de uma doadora anônima e o esperma, de Valdi. A rigor, o PM teria direito a 20 dias de licença-paternidade. O marido, Rafael, é professor de inglês e dá aulas pela internet.
Entretanto, o casal, nos preparativos para a chegada de Sofia, viu que era preciso que um dos dois se dedicasse integralmente à recém-nascida. Foi aí que Valdi, que é policial militar há 14 anos na Cavalaria, decidiu pedir a licença ao governo do estado.
“Falei com meu superior e ele falou que eu ia ter que entrar com um requerimento administrativo, mas que provavelmente o pedido seria negado, porque não havia nenhum precedente no estado e não havia embasamento jurídico. Eu fiz o requerimento e inseri vários casos de pais solo que encontrei, inclusive um do Recife. Mas não encontrei nenhum caso de policial militar”, afirmou Valdi.
O requerimento, então, passou por diversas secretarias da Polícia Militar, seguiu para a Secretaria de Defesa Social e, por fim, foi parar na Procuradoria Geral do Estado, última instância a negar a licença de seis meses. Esse processo durou de janeiro até o fim de maio, pouco tempo antes do nascimento de Sofia.
“Foi aí que eu decidi entrar na Justiça. Primeiro, o estado me concedeu a licença padrão, de 20 dias. Cheguei a trabalhar por dois serviços e depois saiu a sentença. Juntando com férias, fiquei quase oito meses com minha filha”, contou o policial.
A sentença saiu no dia 28 de julho de 2022 e foi assinada pela juíza Nicole de Faria Neves, do 4º Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital. O estado chegou a recorrer, mas teve o recurso negado. Valdi conseguiu usufruir da licença até o fim.
"O direito não é meu, é da minha filha. Algumas pessoas podem pensar que eu quis um direito que é das mães, mas na verdade o direito é da criança, de ter alguém se dedicando integralmente a ela por seis meses", afirmou.
Por ser policial, Valdi trabalha num plantão de 24 horas de serviço por 72 horas de folga. Já Rafael, que dá aulas online, tem horários mais irregulares. Nos momentos em que folga, Valdi fica responsável pela menina. Rafael assume nos intervalos das aulas. Nos plantões do policial, uma amiga de infância dele fica com Sofia de dia, até que, de noite, Rafael largue.
Rafael, o outro pai, conta que todo o processo de ter Sofia foi, para eles, um ato de coragem.
"A gente briga muito por espaços, por direitos, e acho que foi um ato de desbravar mesmo. Era mais fácil dizer 'a gente não vai ter direito, mesmo'. Mas a gente pensou: 'pode ser que a gente tenha direito'. Se não tivesse outra forma, contrataríamos uma babá. Seria o jeito. Mas, para a gente, era importante viver cada passo", afirmou Rafael.